Através da criação de uma cadeira adaptada, voluntários dispostos e preparados, é possível proporcionar momentos inesquecíveis em meio à natureza para quem busca superar desafios e limitações diariamente

Reportagem: Rafaela Correa/DAV

A cada ano que passa, o montanhismo se torna mais popular e inclusivo. Em Santa Catarina, o grupo Voluntários da Montanha, através do projeto Montanha para Todos, mostra que é possível proporcionar uma experiência cheia de aventura para pessoas com deficiência (PCD) e dificuldades de locomoção. Para isso é preciso apenas uma cadeira de rodas especial e voluntários dispostos e preparados para realizar sonhos.

A história por trás da criação do Projeto Montanha para Todos é cheia de amor e parceria, pois foi o casal Guilherme e Juliana, de São Paulo, que resolveu fundar o Instituto Montanha para Todos, em 2016. A ideia surgiu após Juliana receber o diagnóstico de uma doença que a faria deixar de andar. Apaixonados pelo montanhismo, Guilherme prometeu à sua amada que não deixaria de levá-la para onde ela quisesse ir, mesmo que o desejo dela fosse continuar subindo montanhas. Então, ele desenvolveu uma cadeira de rodas especial que chamou de Julietti, em homenagem à Juliana.

Guilherme fala sobre a emoção e reação de Juliana ao saber que através da cadeira poderia voltar a fazer o que gostava. Ele afirma que foi um passo indispensável na recuperação da esposa. “Esta volta para a Montanha foi muito importante para ajudar a Ju a se manter firme em todo tratamento e também a se aceitar com a deficiência. Para todos que estavam ali junto no primeiro retorno na montanha, foi um misto de emoções pois não imaginávamos que conseguiríamos voltar para o montanhismo”, lembra.

“A primeira cadeira eu levei em torno de seis meses para fazer, desenvolvi junto com um colega de forma bem artesanal. Eu só podia fazer à noite porque além do meu trabalho, eu estava na correria em hospitais tentando descobrir o que a Juliana estava tendo e a gestação do nosso filho ao mesmo tempo. Hoje é muito gratificante ver que de algo artesanal, hoje temos uma fábrica com uma produção quase toda automatizada e podemos dar uma escala maior para a cadeira que já está na sétima versão. É muito legal ver que muitas pessoas podem, através da cadeira, ir até uma cachoeira, por exemplo, o que antes era inatingível. Mas não adianta apenas ter a cadeira, é importante que grupos se organizem para realizar esses passeios, porque a maioria das pessoas com deficiência são solitárias e possuem um convício familiar restrito. Eles precisam de mais pessoas, amigos que possam proporcionar esse momento de prazer para eles”, ressalta.

Guilherme conta que a princípio ele fez a cadeira só para ela, mas que com o passar do tempo foi ganhando visibilidade e a ideia foi espalhar para que mais pessoas pudessem ter acesso. ” Através do Instituto conseguimos entregar 50 cadeiras pelo Brasil naquele momento, só que 50 era pouco e criamos uma empresa chamada Julietti Tecnologia Assistiva e começamos a trabalhar bastante com o setor público. De 2018 para cá já foram mais de 1500 cadeiras comercializadas para governos, prefeituras e isso está tomando um caminho bem legal, pois não queríamos que o cadeirante tivesse que comprar e sim que tivesse disponível para uso sem custo”, destaca. Ele ainda comenta que é um caminho lento e as pessoas estão se adaptando a isso.

Alan Jacob, guia da Brasil Montanhismo e fundador do Grupo de Resgate em Montanha (GRM) conheceu o projeto após a segunda cadeira de rodas especial Julietti ser entregue ao grupo Montanhistas de Cristo, em Curitiba. Logo ele entrou em contato com o casal Guilherme e Juliana para conseguir uma cadeira que pudesse ser usada em Joinville, mas na época, devido ao custo elevado, não foi possível comprar. Algum tempo depois, em novembro de 2018, Alan descobriu um projeto social que destinava cadeiras de rodas especiais para diversas regiões do Brasil e que já estava prevista uma entrega para a cidade. Sendo assim, ele assumiu a coordenação voluntária do projeto na região.

“Nós ganhamos uma cadeira deles em 2018 e criamos o grupo Voluntários da Montanha para auxiliar no Projeto Montanha para Todos e atuamos até hoje na região Norte de Santa Catarina, Paraná também. O grupo hoje conta com aproximadamente 60 pessoas, a maioria da região de Joinville, Jaraguá do Sul, Campo Alegre, São Bento, Curitiba, Barra Velha, Penha que sempre aparecem para ajudar nas atividades”, comenta.

Alan ainda afirma que pelo menos 30 Pessoas com deficiência já participaram, alguns mais de uma vez. Questionado sobre os maiores desafios já enfrentados pelo grupo, Alan cita algumas atividades com grau maior de dificuldade. “Das atividades mais complexas, técnicas, tivemos quatro atividades. Uma delas foi subir o Pico da Pedra que fica entre Balneário Camboriú e Itapema, uma montanha difícil de levar PCD. Outra atividade foi o Morro Camapuã no Paraná. É uma montanha que para fazer sem um cadeirante já é considerada moderada, mas para levar uma cadeira com uma pessoa até o cume é uma tarefa muito difícil, cerca de 30 pessoas ajudaram na atividade que levou 12 horas. Por último, uma atividade diferente que fizemos foi uma corrida de montanha, uma prova de 5km de trilha, montanha em Campo Alegre com PCD e foi bem diferente. Foi o primeiro caso que tenho conhecimento de que foi feito em Santa Catarina com a cadeira Julietti”, enfatiza.

Os voluntários marcam a vida de quem supera desafios e limitações diariamente em busca de aventura. Filipe Ferreira sofreu um acidente de moto em 2010, sofreu uma lesão no quadril e coluna. Segundo ele, duas vértebras quebraram e o fragmento do osso perfurou a medula, o que resultou na paralisação da parte inferior de seu corpo.
“Fiquei muito tempo internado para aprender a viver novamente. Tive que aceitar e desde então venho me superando a cada dia. Eu era muito ativo, fazia natação, luta e a cadeira de rodas, muitos veem como limitação. Eu continuei fazendo canoagem, já pulei de Bang Jump, já voei de balão, pulei de pêndulo e estou sempre buscando sentir a adrenalina que sentia antes do acidente. Para mim, a cadeira de rodas não é uma limitação. A verdadeira limitação está nos olhos de quem não enxerga as possibilidades”, destaca.

Sempre em busca de novas aventuras, Filipe conheceu o projeto através de uma amiga. Depois de conversas com o grupo, ele pediu para participar de uma atividade super radical. “Eu gosto de adrenalina, emoção e pedi para me levarem no Pico da Pedra, em Camboriú. O Alan achou um grande desafio, mas não disse que não. Algum tempo depois me levaram lá e me colocaram sentado na ponta da pedra, o lugar mais alto e foi uma emoção gigantesca. Sou muito grato por aquelas pessoas, que mostraram que realmente são do bem, tem alma. Eles não me pediram nada em troca, simplesmente a emoção de poder proporcionar esse momento para uma pessoa que tem uma limitação física. Tenho admiração, respeito e um carinho muito grande por eles. Posteriormente me convidaram para outras atividades e eu fui, foi maravilhoso. Vou levar essas pessoas para a minha vida”, finaliza.

Como funciona o projeto

As atividades do Grupo são realizadas em média uma vez ao mês, dependendo da demanda PCD e disponibilidade de voluntários para participar da ação. Quando algum PCD se inscreve , a equipe administrativa do grupo define com ele ou responsáveis qual será a melhor data, geralmente aos finais de semana e feriados.

Assim que é atingido o número mínimo ou máximo de participantes voluntários na atividade é criado outro grupo temporário de whatsapp específico para a atividade em questão. Por lá são repassadas todas as informações pertinentes, como localização, horário de saída, como será realizado o deslocamento, o que levar na mochila e tudo mais.

Para realização da atividade não existe custo, basta entrar em contato e fazer a solicitação. A única despesa é a taxa de acesso que alguns lugares cobram e alimentação. Interessados devem entrar em contato com o grupo através dos telefones (47) 99208-3701 / (47) 99224-7227 / (47) 98885-1024 ou (47) 99658-6724. Através das redes sociais @voluntariosdamontanha é possível conferir as novidades e acompanhar as várias histórias de aventura compartilhadas.